segunda-feira, outubro 02, 2006

Produção televisiva e Público em Portugal = Pião


"Um filósofo costumava circular onde brincavam crianças. E se via um menino que tinha um pião já ficava à espreita. Mal o pião começava a rodar, o filósofo perseguia-o com a intenção de agarrá-lo. Não o preocupava que as crianças fizessem o maior barulho e tentassem impedi-lo de entrar na brincadeira; se ele pegava o pião enquanto este ainda girava, ficava feliz, mas só por um instante, depois atirava-o ao chão e ia embora. Na verdade, acreditava que o conhecimento de qualquer insignificância, por exemplo, o de um pião que girava, era suficiente ao conhecimento do geral. Por isso, não se ocupava dos grandes problemas – era algo que lhe parecia anti-econômico. Se a menor de todas as ninharias fosse realmente conhecida, então tudo estava conhecido; sendo assim só se ocupava do pião que rodava. E sempre que se realizavam preparativos para fazer o pião girar, ele tinha esperança de que agora ia conseguir; e se o pião girava, a esperança transformava-se em certeza enquanto corria até perder o fôlego atrás dele. Mas quando depois retinha na mão o estúpido pedaço de madeira, ele sentia-se mal e a gritaria das crianças – que ele até então não havia escutado, agora, de repente, penetrava nos seus ouvidos – afugentava-o dali e ele cambaleava como um pião lançado com um golpe sem jeito da fieira."
Franz Kafka - O Pião
(...) e será que não é assim que se sentem os produtores e os espectadores, em Portugal, tontos com tanta falta de qualidade? (...) Os Reality shows, vendidos ao metro, afastam os temas que realmente deviam ser tratados e o público português fica culturalmente desalinhado - como um Pião abandonado no chão do conhecimento geral europeu...

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